ASPECTOS PRÁTICOS DAS PARCERIAS MUNICIPAIS COM O TERCEIRO SETOR E O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
Os Tribunais de Contas possuem, constitucionalmente, a função de fiscalizar a utilização do dinheiro público, sendo a sociedade o destinatário final de suas ações.
O texto constitucional é claro ao prever que, muito embora o controle externo seja exercido pelo Poder Legislativo, este o faz com o auxílio do Tribunal de Contas.
Assim sendo, nas parcerias dos municípios com o Terceiro Setor, o Tribunal atua como fiscal e todas as ações devem ser pautadas na Lei Complementar nº 709/93 e no Manual disponibilizado pelo próprio Tribunal, de Repasses Públicos ao Terceiro Setor, de dezembro de 2012.
É conhecido o exercício do controle externo, a cargo do Tribunal de Contas, que restringia sua ação apenas à órbita financeira e orçamentária, mas que foi ampliando para uma fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, alcançando as entidades da administração direta e indireta, com exame quanto à legalidade, legitimidade e economicidade.
Pela auditoria operacional, o Tribunal de Contas faz uma avaliação da gestão administrativa, a fim de verificar se esta vem alcançando suas metas com eficiência, eficácia e economicidade.
A grandiosidade de tais prerrogativas exige, para o seu exercício, um órgão autônomo, independente, com competências e garantias perfeitamente especificadas, e estas o foram para o Tribunal de Contas na atual Carta Magna.
Pelas competências fixadas no artigo 71, incisos I a XI, e parágrafos 1° a 4°, verifica-se que as atribuições que já vinham sendo exercidas pelo Tribunal de Contas tornaram-se mais explícitas, reafirmando-se como competências exclusivas, contendo o acréscimo de inovações relevantes.
Terceiro Setor é o termo usado para fazer referência ao conjunto de sociedades privadas ou associações que atuam no país sem finalidade lucrativa. O terceiro setor atua exclusivamente na execução de atividades de utilidade pública, na condição de parceiro do ente público, como é o caso dos municípios.
É comum, em diversas situações, que o setor público (primeiro setor) não consiga, ou, veja como vantajosa, a execução de algumas ações específicas, seja pelo custo de montagem de toda uma infraestrutura necessária à execução do objeto, seja pelo conhecimento, experiência e capacidade técnica que determinada entidade possui, podendo assim, celebrar a parceria por alguma das formas previstas na legislação (Convênio, subvenção, contrato de Gestão, Termo de Parceria, auxílio, ou ainda os Termos de Colaboração e Fomento, previstos na Lei nº 13.019/14, alterada pela Lei nº 13204/15)
Diferentemente do que ocorre nos contratos, nessas parcerias, os partícipes atuam sob regime de cooperação, ou seja, possuem interesses recíprocos.
Assim sendo, é possível a execução de objetos diversos, que sozinho, o município não conseguiria atender com a qualidade devida.
Esse é o ponto em que o Terceiro Setor assume um papel de fundamental importância.
As organizações do terceiro setor auxiliam o Estado a dar concretude e dinâmica a determinadas políticas públicas e isso pode ser feito através da participação na etapa de discussão da formulação dessas políticas, na atuação de execução de atividades propriamente ditas ou no atendimento de demandas quando o poder público não tem expertise ou não faz sentido aumentar a sua estrutura para realizar uma tarefa.
Para definir os casos em que serão celebradas as parcerias, é preciso intensa reflexão.
Como disposto no Manual do Terceiro Setor, decidir pelo enxugamento da máquina estatal requer, ao mesmo tempo, que a transferência de atividades, via privatizações ou instituição de parcerias com a iniciativa privada (não lucrativa, in casu) possa oferecer melhores garantias de atendimento à demanda por serviços públicos constitucionalmente atribuídos ao governo.
Esse posicionamento tem identidade com opinião do Conselheiro Decano do Tribunal, Antonio Roque Citadini[1], ao asseverar que: “A redução do papel do Estado há de guardar muita coerência com o mínimo exigível para que possa atender às necessidades básicas da população, combinando isto com a permanente preocupação do governo não só na melhoria da qualidade de vida de seu povo, mas, também, no aparelhamento necessário à prevenção e atendimento de situações inesperadas”.
Importante aqui ressaltar que as entidades sem fins lucrativos são beneficiadas por regulamentações legais específicas que lhes concedem imunidades e isenções tributárias e previdenciárias, que devem ser de conhecimento do administrador público.
Para celebrar uma parceria, portanto, é preciso atentar para a relação de órgãos ou entidades, publicada pelo TCESP, que de acordo com o disposto no artigo 103 da Lei Complementar 709, de 1993, estão proibidos de novos recebimentos de auxílios, subvenções ou contribuições (do Estado ou dos Municípios) até que regularizem sua situação perante o TCESP.
Em seguida, é preciso demonstrar a vantajosidade da parceria para a administração e para os administrados, através de justificativas consistentes sobre os critérios de escolha da(s) entidade(s), elaboração completa e detalhada do Termo da Parceria, além de detalhamento do Plano de Trabalho e Planos de Metas, inclusive com a previsão das etapas, e os custos envolvidos em cada uma.
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[1]Artigo publicado na Revista do TCESP, n 115 – julho-agosto/2006, p. 37/38
Na prestação de contas, é essencial apresentar relação de quantitativo e comprovação documental do número de beneficiários atendidos, ou seja, documentos comprobatórios das pessoas atendidas pela entidade, além da indicação explícita e motivada quanto ao custo unitário e ao custo global de cada procedimento, atividade ou projeto, satisfazendo as metas descritas no pertinente plano de trabalho ou instrumento congênere.
Outro ponto de atenção nessa área é a proibição de pagamento de valores a título de taxa administrativa, considerando também, que a entidade deve ser autossustentável, ou seja, possuir fonte própria de recurso, além das verbas repassadas pelos entes públicos, o que dá maior credibilidade para a parceria.
É claro, portanto, que deve haver o acompanhamento e a fiscalização da execução física e financeira, o que, além de toda a documentação exigida, permite a emissão do parecer conclusivo atestando a regularidade dos gastos efetuados, assegurando a correta contabilização das despesas e a economicidade dos resultados alcançados, não constando indícios de desvio ou malversação na aplicação dos recursos.
Em sendo assim, a prestação de contas passa a exigir dos respectivos responsáveis toda cautela, pois, ao refletir os resultados obtidos na gestão governamental durante determinado período (correspondente a um exercício financeiro), certamente deverá ser elaborada de forma criteriosa, contendo informações de fácil compreensão e devidamente compiladas.
A conferência da otimização de recursos transferidos deve investigar, entre outros fatores, se: são aplicadas políticas idôneas para efetuar aquisições; os recursos estão sendo adequadamente mantidos e protegidos; é evitada a duplicação de esforços de seu pessoal e o trabalho de pouca ou nenhuma utilidade; É evitado o ócio e o excesso de pessoal; Emprega a quantidade ideal de pessoal, equipamentos e instalações para prestar serviços na quantidade, qualidade e prazos apropriados; A beneficiária tem sistemas e controles seguros que garantam a economia, a eficiência e a eficácia; Esses sistemas e controles operam bem e fornecem gerenciamento com informações necessárias para acompanhar satisfatoriamente o desempenho; A otimização de recursos está sendo alcançada, segundo critérios pré-determinados pelo órgão concessor.
Qualquer desvio de rumos sugere recomendação de melhorias e trabalho junto à entidade a fim de promover a otimização dos recursos e a busca pela excelência dos serviços prestados.
Alguns dos pontos importantes, tanto do ponto de vista de atenção governamental, quanto pelo fato de serem os mais comumente falíveis na aplicação de recursos pelo Terceiro Setor, que merecem destaque e devem ser evitados são:
- Saque total dos recursos sem levar em conta o cronograma físico-financeiro de execução do objeto;
- Realização de despesas fora da vigência da Lei ou do ajuste;
- Saque dos recursos para pagamento em espécie de despesas;
- Utilização de recursos para finalidade diferente da prevista;
- Utilização de recursos em pagamentos de despesas outras, diversas, não compatíveis com o objeto da Lei ou do ajuste e a finalidade da entidade;
- Pagamento antecipado a fornecedores de bens e serviços;
- Transferência de recursos da conta corrente específica para outras contas bancárias;
- Retirada de recursos para outras finalidades com posterior ressarcimento;
- Aceitação de documentação inidônea para comprovação de despesas, como por exemplo, notas fiscais falsas;
- Falta de conciliação entre os débitos em conta e os pagamentos efetuados; não aplicação ou não comprovação de contrapartida;
- Ausência de aplicação de recursos no mercado financeiro;
- Uso dos rendimentos de aplicação financeira para finalidade diferente da prevista;
- Condições insuficientes de operação das beneficiárias, tais como, precariedade de instalações, mão de obra desqualificada, entre outras;
- Entidades que remuneram diretores e, assim fazendo, disfarçam a ilegal distribuição de “lucros”;
- Entidades que empregam pessoas indicadas por dirigentes governamentais, servindo
- Beneficiárias superfaturam aquisições, o que, somado a compras inexistentes (Notas Fiscais frias), geram “caixa 2” das organizações;
- Xerox de Notas Fiscais que comprovam, artificiosamente, vários repasses governamentais;
- Incapacidade de controle sobre a entrada de recursos financeiros, que é definida pelos ajustes;
- Incapacidade de administrar os parâmetros operacionais e financeiros com que trabalha, já que o modelo é definido basicamente pelo Poder.
- Alto nível de risco de viabilidade econômica, uma vez que os modelos de gestão e parceria estão sendo desenvolvidos por tentativa e erro, lidando com todas as dificuldades de previsão, mensuração, acompanhamento e controle, cujas bases ainda não têm integral apoio em informações consistentes;
- Impossibilidade de previsão das futuras condições operacionais e econômicas de curto e médio prazo em função das alterações, como consequência de improvisações que resultam em processo de tentativa e erro.
- Incerteza no curto prazo quanto à entrada efetiva dos recursos previstos, quando dependam do cumprimento de metas de produção quantitativas sobre cuja demanda as beneficiárias não têm capacidade de influenciar.
- Incerteza quanto à suficiência dos recursos em relação às suas necessidades, já que parcelas programadas de repasses são calculadas a partir de previsões orçamentárias elaboradas no ano anterior e adaptadas sem nenhum mecanismo previsto nos ajustes para qualquer tipo de complementação caso as despesas reais mostrem-se superiores às previstas.
De conhecimento das principais questões relativas ao tema, e diante de todo o exposto, é clara a necessidade de transparência nas parcerias, ponto ainda mais em evidência com a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de acesso à informação governamental, entendendo aqui, como dar transparência, o fato de tornar claro, visível, perceptível o sentido e o motivo.
Renata Maria Palavéri Zamaro, Advogada do escritório Miranda Ridriguez e Palavéri Advogados, diretora do IPGM, Instituto Paulista de Gestão Municipal.
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Referências Bibliográficas:
As Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil – FASFIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. 2002.
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
Citadini, Antonio Roque. Conselheiro Decano do E. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. O Estado “Katrina” é a solução? Revista do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. N° 115 – julho-agosto/06, p. 37/38.
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, LEI ORGÂNICA LEI COMPLEMENTAR No 709, de 14 de janeiro de 1993.
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, Manual Básico: Repasses Públicos ao Terceiro Setor, dez/2012.