COMPETÊNCIA PARA JULGAR PREFEITOS – O QUE O STF DECIDIU
O Supremo Tribunal Federal julgou agora em agosto de 2016, dois processos aos quais foram conferidos repercussão geral (REs 848826 e 729744). Nesses casos discutiu-se em síntese quem é competente para julgar as contas dos Prefeitos Municipais, e se a decisão do Tribunal de Contas é suficiente para gerar a inelegibilidade dos Prefeitos.
Por maioria de votos, o plenário da Suprema Corte decidiu que compete às Câmaras Municipais julgar as contas dos Prefeitos, sejam elas de que natureza for (contas de governo e contas de gestão), entendendo ainda que os Tribunais de Contas são responsáveis por emitir parecer prévio e opinativo sobre elas, sendo certo que sua manifestação somente poderá ser alterada (derrubada) por decisão de 2/3 (dois terços) dos votos dos vereadores (artigo 31 da CF). Assim, entendeu-se que a decisão das Cortes de Contas por si não podem gerar a inelegibilidade dos Prefeitos.
Em síntese, os Prefeitos, nos termos da Constituição Federal (artigo 71), prestam contas de duas naturezas: as contas de governo e as contas de gestão.
As contas de governo, são as chamadas contas gerais, globais, onde se afere atos de gestão orçamentária, aplicações de políticas públicas, atendimento a comandos constitucionais de respeito aos limites de despesas com saúde e educação, dentre outros. Por força do comando do artigo 71, I, da Constituição Federal, essas contas são submetidas aos Tribunais de Contas anualmente para emissão de parecer prévio, e ao depois são julgadas pelas Câmaras Municipais. Quanto a essas o entendimento nesse sentido sempre foi incontroverso, e somente a decisão do Poder Legislativo tem o condão de gerar a irregularidade definitiva das contas, e a inelegibilidade dos Alcaides.
As contas de gestão, por sua vez, regradas pelo artigo 71, II, da Carta Magna, nas quais se avalia a postura dos ordenadores de despesas, não são exclusivas dos chefes dos executivos (no caso dos Municípios os Prefeitos), por não se relacionarem com opções políticas, mas sim referirem-se à aferição da probidade da administração, a verdadeiras avaliações técnicas. Quanto a essas é que surgiam as dúvidas mais acirradas sobre o tema, merecendo oscilação de entendimento na jurisprudência tanto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) quanto do Supremo Tribunal Federal (STF) (o debate entre os Ministro desnudou historicamente essa oscilação. Destaque-se as manifestações do Min. Barroso, do Min. Levandovsky e do Min. Marco Aurélio, que trouxeram a lume os precedentes históricos).
Também essa espécie de contas, com as decisões de agosto passado, no entender do Supremo Tribunal Federal, hão de ficar submetidas ao crivo do Poder Legislativo, as Câmaras Municipais, para decisão definitiva.
Com essa decisão, entendeu a Corte Máxima da justiça brasileira, que o que interessa não é a espécie de contas que são prestadas, mas sim quem as presta. Qual o cargo ocupado pelo prestador. Sendo o responsável pela prestação das contas o Prefeito, independentemente da sua natureza, a palavra final será do Poder Legislativo, a Câmara Municipal.
Após o posicionamento ora comentado, muito se asseverou que a decisão perpetrada teria diminuído os Tribunais de Contas, e ceifado parte importante de suas atribuições. Disseram, ainda, os algozes da decisão, que o Supremo feriu de morte a denominada lei da ficha limpa.
Parece-nos que não.
Quem acompanhou o julgamento, as exposições dos ministros, de todos eles, seja os prolatores de votos vencedores, seja os vencidos, certamente não pode ter ficado com essa impressão.
Com efeito, os Tribunais de Contas, se de um lado perdem uma atribuição julgadora, de outro, sedimentam no seio do Poder Judiciário, na mais alta Corte, e em toda a comunidade, a convicção de que detêm hoje o respeito e o reconhecimento de desempenharem fundamental função para a busca da probidade administrativa, produzindo decisões reconhecidas como robustas e técnicas, virando definitivamente a página de um passado em que eram objeto de críticas das mais diversas matizes.
Na palavra dos Ministros do Supremo a expressão “qualificado”, na melhor acepção do termo, para adjetivar os pareceres produzidos pelos Tribunais de Contas, foi unanimidade.
Com isso, parece-nos que os Tribunais de Contas saem na verdade fortalecidos, pois têm suas atribuições definidas, reconhecendo-se o papel constitucional fundamental na construção do estado democrático de direito. Seu parecer “qualificado” assume valor relevante, e, fundamentado, não será alterado apenas pela vontade política.
Da mesma forma, parece-nos que a denominada lei da ficha limpa não restou ferida de morte pela decisão ora comentada. Referida lei segue firme e forte, vez que dispõe de inúmeros mecanismos para a proteção do erário e para manter afastados dele aqueles agentes públicos ímprobos. Além disso, o arcabouço da legislação brasileira dispõe de outros mecanismos e instrumentos para tanto (destaque-se as ações de improbidade administrativa).
O que é necessário, e não se nega, é fortalecer a fiscalização dos julgamentos que doravante ficarão a cargo dos Poderes Legislativos municipais, que analisarão as decisões técnicas dos Tribunais de Contas também nas contas de gestão.
Marcelo Palavéri. Advogado, sócio do escritório Miranda Rodriguez e Palavéri Advogados, especialista em Direito Municipal, e Presidente do IPGM – Instituto Paulista de Gestão Municipal.